zerozerozero

terça-feira, abril 29, 2003


Na ida ao banheiro, a parada com o garçon que lhe segura a mão.
A gorda e seus oito bolinhos. Eu não acredito que a gorda vá conseguir comer todos aqueles bolinhos. Eu conheço aqueles bolinhos. São ruins, gordurosos.
Ela troca de posição na cadeira. Fica de lado. Ao se sentar, cruza exageradamente as pernas, expõe as pernas. Levanta os braços. Toda à vontade, ela.


segunda-feira, abril 28, 2003


Segundo Banho

Todo mundo é um corpo e todo corpo é vulnerável ao tempo, ao fogo, aos objetos cortantes, aos vírus, aos maus-tratos alheios, aos maus-tratos próprios, às balas, aos insetos, à vergonha. A festa é para poucas pessoas, quase todas conhecidas umas das outras. E eles são um casal feio. Ele, além de feio é tímido, sem jeito, sem iniciativa. A mulher quer dançar e ele vai dançar. E ele dançar significa, consiste em, parado, mover quase imperceptivelmente os pés para os lados, uns poucos centímetros, enquanto os antebraços se sustentam vagamente em ângulo de mais ou menos 45 graus em relação ao braço. A cara parada num meio sorriso. Ele parece uma espécie de morto, um anticorpo, um anti-homem, quase-corpo, um quase. Incompleto, parece. Mas esse homem que nem parece, esse homem feio que tem uma mulher feia, que faz um trabalho burocrático com dedicação mediana, esse homem ainda assim habita um corpo e esse corpo é capaz de. Um dia o escritório é assaltado. Sem prejuízos importantes nem feridos. A única agressão é exatamente a ele. Entre uma dúzia de pessoas, entre homens e mulheres, um ladrão escolhe o homem feio para dar uma porrada. Sem gravidade, a porrada. Um cascudo. Os caras não estupraram uma mulher, não mataram o vigia. Eles deram um cascudo no homem feio e triste, no homem feio e tímido. No banho, o homem tímido lava a cabeça que levou o cascudo. Olha para baixo e enxerga a mesma magreza de todo dia. Percorre a distância do banheiro à sala em apenas dois dos seus passos curtos. As pernas espetadas para fora do short. Mais dois dos seus passos acanhados e ele já está diante da mulher no sofá, quase encobrindo a televisão. A mulher do homem feio é feia, mas não é magra nem tímida. Ela olha para ele e por esse olho ele sabe que ela sabe do cascudo. Ela sabe do cascudo, sim, mas sabe também que aquele homem feio que levou o cascudo é o seu homem. No quarto, escuro, sob cobertas – e olha que era quente a noite –, o corpo magro do homem feio e tímido tem um espasmo, vibra num espasmo só, acolhido entre aquela mulher dele. Acolhido entre. Aquela mulher. Dele.


Essas coisas também eu escrevi há uns dois anos, talvez mais. Dei o título geral de "Os Banhos":

Primeiro Banho
A hora do banho. A hora de fazer cocô. A hora de fazer xixi. A hora de cortar as unhas. As unhas dos pés, sobretudo. O equilíbrio num pé só para vestir uma calça, uma cueca. A hora de trocar o ó-bê. Todas as horas que embaraçam os tímidos. Todos os cuidados das mulheres com elas mesmas. Os cremes no banheiro da mulher feia. O espelho no quarto da mulher tímida. O homem tímido nu na fila do exame médico do alistamento militar. Todos os momentos em que se habita lugar nenhum senão um corpo. A mulher mais velha na cama com um homem jovem e bêbado, ela também bêbada diz: “eu tenho orgulho dos meus peitinhos”. E são mesmos bonitos e jovens os peitinhos da mulher mais velha. No banho, no espelho, ela faz que não vê a barriga, a coxa, a bunda, as mãos. O que ela vê são os peitinhos orgulhosos. No trabalho, a cara dura de quem deu e levou, dá e leva muita porrada. Competitiva, mau-caráter. Mas por baixo da roupa há peitinhos jovens e por baixo da roupa ela chora até não poder mais.


sexta-feira, abril 25, 2003


Acabei de ver meu nome no cartaz de um longa-metragem de ficção pela primeira vez. "O Caminho das Nuvens", um filme de Vicente Amorim. Roteiro: David França Mendes.


quinta-feira, abril 17, 2003


Tropeçando, distraído

Eu tenho ceratocone, um treco que provoca astigmatismo elevado e crescente, fora um certo risco de rompimento da córnea. Por causa desse risco, fiz um transplante no olho esquerdo, há quase seis anos. Agora há pouco, vinha de táxi pela Lagoa – a vista da Lagoa nunca me cansa – e olhava a água, as árvores em primeiro plano, os carros antes destas, os morros lá no fundo. Nada é mais nosso que essa solidez da percepção do mundo em três dimensões, mas de repente vi a Lagoa como uma projeção plana sobre uma tela muito fina. Vi que aquela tela podia se rasgar, como se o mundo todo estivesse projetado na tela precária de um cine poeira.

Ontem, saindo de um chopp (sóbrio), pisei num pitt-bull. Sério, não vi o bicho, pisei. Ele se assustou tanto que não me mordeu. O pit-boy, seu dono, e seu amigo mais pit-boy ainda, também se assustaram tanto que nem me espancaram até a morte. Amanhã vou ao médico experimentar novas lentes de contato. Vamos ver se paro de correr riscos.

(escrito há cerca de dois anos. as lentes funcionaram, mas de vez em quando eu perco uma. como hoje, aliás)


quarta-feira, abril 16, 2003


Aqui eu escrevo, lá eu colo umas fotos: meu fotolog.


Alô George W. Bush! Você quer exterminar as forças do Mal? esqueça a Síria, esqueça a Coréia! Bomba nos taxistas e seguranças do Shopping Rio Sul. Ô gente escrota.


terça-feira, abril 08, 2003


Acabei de me mudar, e em mudança - fiz dúzias - sempre rola aquele momento das caixas, das fotos, dos envelopes amassados. O engraçado é que olhando fotos minhas aos 15, aos 20, aos 20 e poucos anos, e ler coisas que eu escrevi na época, a sensação foi, sim, de estranhamento. Estranhamento da minha imagem, hoje, no espelho. Saí de sync.


Nem as mães são felizes. Esse é o nome do filme que eu vou fazer. Um curta de cinco minutos. Preciso de cinco atrizes, uma de 16, duas de uns 35, uma de 60 e uma de 75-80. Aceito sugestões.


segunda-feira, abril 07, 2003


Tenho um roteiro para escrever. É uma vergonha que eu não faça o que tenho que fazer: sentar-me diante do computador e escrever.


Aos quarenta anos descobri que na vida se acumula ódio ou dinheiro.


sexta-feira, abril 04, 2003


Um mito, uma bobagem inventada pelos teóricos da montagem, é a idéia de que exista um "ritmo" das imagens. Talvez no cinema mudo... mas a partir do momento em que tem som, o som manda. Quer uma prova? olha no retrovisor do carro. Aquilo é um enquadramento legal, bem cinematográfico. Você vai ver alguém no carro de trás. Ligue o rádio. Depois de alguns segundos, a conexão som-imagem se estabelece. Evocê tem ali um filminho, cujo ritmo, e o tom mesmo, bem kuleshovianamente, será o da música. Troca a estação pra alguma coisa bem diferente, um clássico, por exemplo. O filme é outro. Mas se é o contrário, se muda a imagem no espelho mas a música permanece a mesma, não há a troca de filme, não há um ritmo próprio da imagem que se imponha. Não há aquela outra bobagem, essa tarkovskiana reciclada por Deleuze, da "pressão" da imagem dentro do plano.


quarta-feira, abril 02, 2003


Pronto, aconteceu. Queria dar a esse blog a dignidade de uma coluna periódica, mas já desci a ladeira em direção ao confessionismo adolescente. Ai, ai, ai, ai, ai.


Tô com fome, com raiva, puto. Faço o que? nada. Vou tentando abrir caminho onde não tem caminho.


Uma pausa forçada nos prazerer de ler Cortázar. Cinco dias de febre, dores pelo corpo, piriri, tudo por conta de alguma porcaria que eu comi. Depois dias e dias de providencias, pintor, marceneiro, cartório, autenticação de firma, banco, Net, Telemar, gasista. Tudo por que? porque me mudei de residencia. Ainda nao voltei a entrar em sync comigo. Eu fiquei em algum lugar pelo caminho, perdidão, enquanto eu segui em frente, resolvendo coisas com diligência insuspeita e mal-humor crescente, sem o consolo de uma conexão web banda larga. Ou mesmo banda estreita. Non hay banda, for Christ sake. E cadê dinheiro?


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