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terça-feira, fevereiro 25, 2003
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23:16
by Unknown
No avião tinha uma família. Pai, mãe, filho menino de dez anos, filho adolescente de uns 19 e filha adolescente de uns 17. A menina era uma morena bem bonitinha. Nada de extraordinário. Era jovem, bonitinha, e tinha nos olhos aquela intensa curiosidade das moças jovens e bonitinhas. Não tenho certeza, mas me parece que viajar, em especial de avião, não era uma experiência comum para ela, e o mais importante disso era o contato com um número grande de pessoas muito diferentes dela e da família dela. Estrangeiros, homens mais velhos, jovens como ela mas de lugares diferentes.
A localização de nossas poltronas era tal que toda vez que o grupo de jovens sentado próximo a ela - grupo ruidoso, e de fato divertido - aprontava alguma, eu e ela trocávamos algum olhar ou sorriso. Com o tempo percebi que ela sustentava o meu olhar um pouco mais de tempo do que o comentário mudo das brincadeiras juvenis exigia.
Aquele olhar sustentado uns segundos a mais não era nenhum sinal de que uma aproximação real fosse possível ou desejada, e nem eu procurava isso ou sinalizava qualquer coisa nesse sentido. O que era aquele olhar? Em torno da esteira de apanhar bagagens me ocorreu uma resposta. Ela, que talvez nunca tivesse tido nenhum contato com um homem como eu, tinha curiosidade de ver o que eu via. Ela queria se ver no espelho. Eu virei, para aquela moça, o espelho da madrasta - aquele: espelho, espelho meu - o oráculo, a confirmação de que ela era bonitinha, sim, que podia mesmo pescar olhares de gente que ela nunca viu, de gente que falava e pensava e vivia diferente dela. Era bem obviamente uma garota meio tímida.
Na saída da esteira de bagagem, passamos um pelo outro e eu quase disse um "ciao". Antes que eu dissesse, ela sorriu. Eu sorri também e foi cada um para um lado. O que pode ser melhor para qualquer pessoa que se enxergar de alguma forma boa nos olhos de um outro?
Eu tenho uma mulher que me ama. Nos olhos dela eu tenho o meu espelho da madrasta. Por isso, talvez esqueci de checar nos olhos da moça o que havia a meu respeito. Não era o caso. Era a vez dela, era ela a jovem bonitinha no avião, escutando o comissário de bordo dizer que em dez minutos pousaríamos na cidade maravilhosa.
segunda-feira, fevereiro 24, 2003
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20:38
by Unknown
Diante da arte de Antonio Nóbrega, arte de verdade, coisa bacana, boa de ver e de pensar a respeito, me veio um pensamento meio ruim: onde acaba a afirmação potente do que nos é próprio e começa a negação doentia do que é estrangeiro? O trabalho de Nóbrega não é xenófobo. É brasileiro e erudito. É universal em sua particularidade. É o belo - sabe o belo? aquele conceito, lembra? pois é - então, é o belo, é isso, não panfleto, não é manifesto, não é nada disso. Mas em torno da sua arte e de outros trabalhos como o dele, muitas vezes se constroem discursos bem fascistóides. Eu não sei bem como me posicionar, não sei bem onde por as mãos.
domingo, fevereiro 16, 2003
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22:09
by Unknown
Qual é a diferença entre olhar alguém ou alguma coisa a olho nu ou através de uma câmera? e qual é a diferença entre olhar alguém através do viewfinder de uma câmera e através de um monitor? e qual é a diferença entre olhar num monitor durante a filmagem e olhar numa TV ou cinema um filme pronto? quantas imagens existem? quantos olhares o seu olho contem? quanto de fetichista há em mim, no meu desejo de ver as coisas pelo olho da câmera? e o prazer maluco que eu tenho de ver as coisas muito de perto. A olho nu mesmo. Eu gosto de olhar muito de perto um nariz, um bico de peito.
sábado, fevereiro 15, 2003
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13:39
by Unknown
Eu passo às vezes meses, um tempão, acho que rolou até período de mais de um ano, de mal com escrever, ou nem de mal. esquecido só. Esquecido de que eu sei fazer isso, de que eu gosto de fazer isso, de que eu posso ganhar a vida fazendo isso. De que eu posso inventar coisas. Sabe o que dá a maior onda quando se escreve um treco de valor e se imprime esse treco (especialmente se for coisa de muitas páginas)? É olhar aquele treco impresso e pensar: aqui tem uma coisa, onde antes não havia nada. E essa coisa que surgiu do nada, quem fez fui eu. Cada frase, palavra, caracter, fui eu que botei ali.
quarta-feira, fevereiro 12, 2003
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23:06
by Unknown
Eu escrevo em bares, cafés, restaurantes, na praia. E tenho escrito aqui. De certa forma, é parecido. A sensação é privada, mas o espaço é público.
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21:59
by Unknown
Eu sento num café, de manhã, e escrevo. Me encomendaram um roteiro, e eu andei meio perdido com a história (e, confesso, meio desmotivado). Pois bem. Escrever é o tipo do treco chato: tem que fazer. Não é como filmar, que se contrata gente pra isso e aquilo, bons fotógrafos, produtores, atores. Não. É tu sozinho, bródi. É tu e o nada. Então sentei e escrevi. E não é que tá saindo?
terça-feira, fevereiro 11, 2003
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01:11
by Unknown
O amigáo do Guilherme Fontes, Francis Ford Coppola, edita uma reevista de contos chamada Zoetrope All Story. Você não a encontra em bancas no Brasil e mesmo nos Estados Unidos não é a coisa mais fácil do mundo de achar. Em cada edição, meia dúzia de contos e um artista convidado, que faz ou edita as ilustrações. O convidado da edição corrente é David Byrne, o do número anterior foi Laurie Anderson. Mas, não importa quem faz as figurinhas, o projeto gráfico da revista é tão limpo, tão gostoso, que dá vontade de beijar.
E beijar seria bem o caso, já que se trata de uma edição inteira “on love”. Recebi a revista ontem e, a exemplo dos dois outros números que recebi desde que assinei a publicação, vou tratar de arrumar tempo, tempo bom, tipo na praia de manhã cedo ou no café da Argumento num horário bem vazio, para ler tudo, cada um dos contos.
Já o primeiro exemplar que recebi me surpreendeu porque todas as histórias eram boas, todas muito originais e bem escritas. Mais que isso, todas muito prazerosas de ler. Uma coisa quase inexplicável. Eu não sou qualquer leitor, não é qualquer coisa que me pega a qualquer hora, e isso não é meramente uma questão de alguma qualidade intrínseca do material, mas também de oportunidade, de momento em que se lê. Os textos da All Story quase sempre me pegam de primeira, e não me largam.
Será possível que seja tamanha a abundância de textos disponíveis para os editores escolherem que a mera força da estatística garanta a qualidade? Um darwinismo extremo? Será tão eficiente o time de editores, tão afinado e tão certo do que é bom, do que é bom de se ler, tão preciso esse trabalho de edição, que eu chego a ter a impressão de que a revista foi feita para mim?
Chego a pensar que a maestria maior não está na escolha dos textos, e nem mesmo na sua redação. O prazer de ler a All Story talvez tenha origem num truque tátil, numa maestria de design. O objeto revista é bom. É bom para as mãos. E os olhos parecem correr mais leves pelas páginas assim guiados pelas mãos, correndo por um espaço limpo e convidativo. Eu entro ali com meus olhos e minhas mãos – qual é o truque? Fontes, espaçamentos, nada demais – e não quero sair sem ler tudo.
Eu nunca me esqueço do que eu li há vinte anos em Ezra Pound (no seu ABC of Reading): “uma definição de beleza: adequação ao objetivo”. Já li e reli, e repeti, essa frase tantas vezes que já acho que ela é minha. Seja de quem for, aplica-se perfeitamente à Zoetrope All Story.
segunda-feira, fevereiro 10, 2003
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23:20
by Unknown
Pra quem está lendo isso aqui agora pela primeira vez: não, eu não escrevo sobre pau e buceta todo dia. Não mesmo, e´só seguir lendo. Penso no assunto todo dia, mas escrever, só de vez em quando.
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22:48
by Unknown
Tem punheta do bem e punheta do mal. Punheta boa é aquela de quem tem sexo, tem sexo bom, tá feliz, tá esbaldando felicidade sexual, de pau duro por aí que nem se aguenta e de repente tchum, todo feliz. Punheta do mal é aquela de quem tá precisando, de quem não tem, punheta triste e cinzenta, de gozo triste, o pau parece um animal triste e derrotado. Falo pau, mas vale pras meninas também. Vocês façam a conversão, ok?
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21:47
by Unknown
Uma certeza na vida. Ali tem uma mulher. A gente levanta uma saia, baixa uma calça, e lá está uma buceta. Simples assim, doce assim. É bom ter certezas. Levante uma saia, baixe uma calça, encontre uma buceta. Uma volta de 180 graus pode revelar um bunda. Mas isso já não é tão certo assim. Não sejamos ambiciosos demais quando se trata de certezas.
sábado, fevereiro 08, 2003
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15:08
by Unknown
Nesse momento, queria continuar escrevendo. Queria escrever a resenha da revista Zoetrope All Story que eu prometi fazer. Mas as lentes estão incomodando, e eu tenho uma festa pra ir de noite, e se eu não der um refresco de lente vai ficar foda de madrugada.
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15:05
by Unknown
O saco são as lentes. Embaçam, cansam. Às vezes eu fico com uma cara triste sem estar triste. Às vezes eu tô na maior pilha, de ver um filme, de ler, de escrever, mas não dá, não dá mais pra ficar de lente nem dá pra fazer nada disso sem enxergar.
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14:41
by Unknown
Saiba agora porque eu enxergo como o Picasso cubista.
Fiz transplante de córnea, tenho um treco raro num olho, uso lentes de contato rígidas em ambos, e com elas até enxergo bem. Mas sem as lentes tudo é muito estranho, e em certas circunstâncias muito prazeroso, porque um olho não só enxerga muito mais do que o outro, mas porque cada um enxerga muito diferente do outro.
Meu olho direito, por exemplo, quando sem lente de contato, me dá foco a distâncias mínimas. Eu vejo em detalhe a textura da pele do meu próprio nariz. Esse mesmo olho distorce luzes distantes de forma fantasmagórica.
Quando eu olho o rosto de uma mulher bem de perto, sem as lentes, o que eu vejo é um quadro composto de seções quase geométricas. A área do rosto não só se divide em campos de textura muito diversas, como também de dimensões diferentes. Um lado pode simplesmente não encaixar no outro. Um olho salta aqui bem próximo, detalhado. Outro está mais longe, fora de foco. Holográficos, dois outros flutuam sobre a face. E às vezes surge até um quinto olho - olho-síntese - maior e acima de todos os demais.
E o espetáculo é caleidoscópico. Basta eu mover o meu rosto, ou ela mover o dela, ou ambos se moverem em imprevisíveis variações, para que tudo se transforme, e se transforme, e se transforme. Cubismo, relatividade: eu sou o que sempre quis ser, um homem moderno.
quinta-feira, fevereiro 06, 2003
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18:00
by Unknown
Não vou cumprir a promessa de ontem, de descrever minha visão de um rosto de perto. Faço isso amanhã, junto com uma resenha da revista Zoetrope All Story, que é muito, mas muito bacana.
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00:02
by Unknown
Amanhã eu conto o que é olhar um rosto de perto, bem perto, quando seus dois olhos enxergam completamente diferente.
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00:00
by Unknown
Hora de dormir. Dormir é minha maior ambição todos os dias.
quarta-feira, fevereiro 05, 2003
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23:58
by Unknown
Eu tenho os olhos mais doidos, uso lentes malucas, fiz transplante de córnea, tenho sempre a impressão de que o mundo é uma imagem projetada numa tela que pode se rasgar. Às vezes, em função da luz, do lugar ou das distâncias, essa impressão é muito forte, e eu tenho mesmo a sensação de que basta esticar a mão para puxar a tela, de que basta avançar com uma navalha para cortar o pano.
E você nem imagina como é que eu vejo as coisas sem as lentes de contato.
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23:09
by Unknown
Às vezes é o contrário, e parece que todo mundo na rua dá ternura, que cada um é um pobre diabo que eu devia proteger.
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16:18
by Unknown
Eu ando por aí como se não existisse, como se fosse uma máquina.
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15:55
by Unknown
Tenho tido uma fantasia, cada vez mais frequente. Eu ando entre as pessoas, na rua ou num shopping. Eu pareço inofensivo. Mas na minha fantasia eu não sou inofensivo. Na minha fantasia, eu sou um matador de aluguel. Não um maltrapilho qualquer, matador de pobre, de invasor de terras, de ladrão. Não. Sou um matador especial, que só é acionado em casos especiais, que mata com frieza e tranquilidade. Eu sou quase a morte, a própria, na minha fantasia, e eu ando entre as pessoas pensando que elas ficam por aí, tratando dos seus afazeres, sem nem imaginar que eu as olho nos olhos, as sigo pelas escadas. Na minha fantasia, eu quase que atravesso as pessoas com meu passo de matador, com meus olhos de matador. E sou feliz de pensar que não mato porque não quero.
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